Ao invés de destruir muros, o arcebispo Gil Moreira cria outros...
- Guilherme Salgado
- 19 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
Datadas de 15 de fevereiro, Gil Moreira divulgou “Orientações para o clero e o Povo de Deus que caminha na Arquidiocese de Juiz de Fora”. O texto começa com a citação do Evangelho de Mateus (capítulo 10, versículo 27): “Proclamai o Evangelho pelas ruas e sobre os telhados”, fala do triênio que falta para o centenário da Arquidiocese, lembra que estamos no ano de São José e solicita que nas confissões haja o devido cuidado do distanciamento.
Tudo bem até aí.
Mas deixa para a terceira página a grande (e abjeta) contradição, ao menos com o Evangelho de Mateus. Após ilações sobre a autoria do texto-base, afirma: “Neste ano, houve uma grave falha com relação ao texto-base, que tem provocado séria polêmica, por apresentar conceitos duvidosos em relação à doutrina social e à moral cristã, sendo a autora adepta de correntes morais não aceitas pela Igreja Católica e nem por grande parte dos nossos irmãos evangélicos. Após ler, ouvir e ver praticamente todos os posicionamentos prós e contra, em consciência, e para ser fiel à Igreja, oriento que o texto-base da CF 2021 não seja utilizado em nossa Igreja Particular”.
Em primeiro lugar, lança no ar “ofensa” a uma autora... Quem é essa autora? A qual Igreja pertence? Não cita seu nome...! Já se sabe que é a pastora luterana Romi Bencke.
Diversas e múltiplas entidades brasileiras apoiaram o trabalho da pastora.
O Papa Francisco, em mensagem de alegria pelo início da CF, escreveu: “A fecundidade do nosso testemunho dependerá também de nossa capacidade de dialogar, encontrar pontos de união e os traduzir em ações em favor da vida, de modo especial a vida dos mais vulneráveis. Desejando a graça de uma frutuosa Campanha da Fraternidade Ecumênica, envio a todos e a cada um a Benção Apostólica, pedindo que nunca deixem de rezar por mim” (www.vaticannews.va).
O Conselho Nacional das Igrejas Cristãs, CONIC, é corresponsável pela estrutura de pensamento e trabalho da CF. Tem, em seu quadro, seis Igrejas: Aliança de Batistas do Brasil, Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Igreja Presbiteriana Unida e Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia.
Além dessas Igrejas, a Igreja Betesda, de São Paulo, como Igreja observadora, e o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e à Educação Popular (Cesep), membro fraterno, pertencem ao CONIC.
Pelo que afirma Gil Moreira, a “autora” passou por cima de todas essas denominações e “montou” um texto-base à própria feição, discordando de um movimento iniciado há praticamente dois anos.
Ele se alinha àquilo que de mais antiecumênico viceja na Igreja Católica: os grupos neoconservadores.
Pode nem ter citado, mas certamente a sua ira volta-se contra o ponto 68 do texto-base:
“Outro grupo social que sofre as consequências da política estruturada na violência e na criação de inimigos é a população LGBTQI+. O já citado Atlas da Violência de 2020 mostra que o número de denúncias de violências sofridas pela população LGBTQI+ registradas no Disque 100 no ano de 2018 foi de 1685 casos. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia apresentados no Atlas da Violência 2020, no ano de 2018, 420 pessoas LGBTQI+ foram assassinadas, sendo 164 trans. Percebe-se que em 2011 foram registrados 5 homicídios de pessoas LGBTQI+. Seis anos depois, em 2017, o número aumentou para 193 casos. O aumento no número de homicídios de pessoas LGBTQI+ entre 2016 e 2017 foi de 127%. Esses homicídios são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+ e de outros grupos perseguidos e vulneráveis”.
Quais são os “conceitos duvidosos em relação à doutrina social e à moral cristã”?
Se o texto é categoricamente contra a violência, o que quis dizer Gil Moreira? É a favor da violência contra a população LGBTQI+...?!
Onde está, ó Deus do céu, essa “grave falha” que ele elenca em sua argumentação...?!
Em minha humilde opinião, Juiz de Fora precisa e merece um arcebispo muito menos conservador...
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