“O cinismo nacional mata o Brasil”
- Guilherme Salgado
- 6 de fev. de 2018
- 2 min de leitura
No dia 18 de maio de 2006, o então governador de São Paulo, Claudio Lembo, filiado ao antigo PFL, hoje Democratas, um partido claramente de direita, disse, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, que o entrave para a solução dos problemas do Brasil residia no fato de termos uma “burguesia muito má, uma minoria branca perversa”. Lembo dizia que para atacar o problema da miséria deveria haver a criação de mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo, mais reciprocidade. E terminava afirmando: “O cinismo nacional mata o Brasil”.
Pois bem, o que estamos assistindo é o maior espetáculo de cinismo nacional de todos os tempos, patrocinado pela “minoria branca perversa”. E não estou me referindo à condenação sem provas materiais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – até hoje não sei se ele é ou não corrupto, pois seu julgamento, assim como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ocorreu num clima de culpabilização prévia. Em ambos os casos, o que estava em jogo não era uma questão jurídica, mas sim um posicionamento político sobre o Brasil.
Ao longo de sua história, o PT – liderado pelo ultrapersonalismo de Lula – afastou-se pouco a pouco de sua origem democrática e popular para tornar-se um partido ávido por ampliar suas influências – ou, nas palavras do insuspeito Frei Betto, o PT trocou um projeto de nação por um projeto de poder. Para isso, fez alianças com o setor mais retrógrado da sociedade brasileira – os evangélicos – e com o que havia de mais sórdido na política – o PMDB de Romero Jucá, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves e Edison Lobão, todos ministros de Lula, e Michel Temer, o vice que viria a liderar o golpe contra Dilma.
Nos 14 anos em que permaneceu no governo, o PT deixou-se envolver diretamente com a corrupção que sempre havia existido e que seus eleitores acreditavam que seria por ele combatida. Apeado do poder, o partido em momento algum aceitou admitir seus erros. Preferiu, de forma patética, exaltar os condenados José Dirceu e João Vaccari Neto como “presos políticos” e “heróis do povo brasileiro”, e “declarar guerra” ao boneco Pixuleco, que simboliza o ex-presidente Lula vestido com roupa de presidiário.
Mas não é contra nada disso que se indignaram o juiz federal Sérgio Moro e, depois, os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luis dos Santos Laus, todos representantes da “minoria branca” de que falava Claudio Lembo. O que esteve, e está, todo o tempo em julgamento é a manutenção dos privilégios de classe que o Poder Judiciário hoje defende – os privilégios da burguesia branca que não aceita “abrir a bolsa” para a construção de um país mais solidário, mais justo, mais equitativo.
cLuiz Ruffato, publicado originalmente em El País, Espanha, em 31 de janeiro de 2018.
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