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O PAI

  • Foto do escritor: Guilherme Salgado
    Guilherme Salgado
  • 24 de jan. de 2021
  • 4 min de leitura


Diógenes Mattos Rocha. Meu pai era um sujeito muito querido. Uma figura excelente. Farmacêutico, foi proprietário durante vários anos da Farmácia Andradas, na avenida dos Andradas, 103, onde hoje funciona a Família Mineira, da Mônica e do Antônio, loja de frios, temperos, queijos ...


Comecei a trabalhar com ele aos 13 anos. E ali aprendi que nenhum pobre sairia de lá sem o remédio. Havia aprendido isso com seu pai, Mágino, farmacêutico do mesmo jeito, em Paula Lima.


Há algumas passagens da nossa vida que merecem ser contadas. No mínimo, umas 280. Todas extremamente engraçadas.


Cito três das mais, perdoem se com os olhos carregados... Escrevo neste domingo, 10 da manhã, 24 de janeiro.


Tinha vontade de publicar hoje um texto, O pai, que redigi entre o seu falecimento (maio de 99) e a missa de sétimo dia, na qual foi distribuído. Mas vieram esses momentos, e então fica para outra oportunidade, hoje só a foto.


Primeira delas

Aqui em Juiz de Fora havia a Banda Bandida, que saía no sábado anterior ao Carnaval, às 3 da tarde.


1982. Eu e mais quatro amigos estávamos na casa de um deles, acima da Igreja Melkita, e quando nos demos conta eram 2 e meia. E todos viriam em casa se “fantasiar” de mulher. Entrei na frente, abri o armário da mãe e peguei o vestido mais chamativo, verde e rosa, com uma flor grande na cintura, lindo!, parecia destaque da Mangueira.


A mãe não estava em casa, e ele nos levou de carro às proximidades da concentração, no bairro São Mateus.


Pouco tempo depois, o Luiz Cesário, o China, gritou que meu pai estava me procurando. Estranhei, pois havia acabado de nos deixar ali. Avistei-o e corri lá.

Sorrindo, a cara mais lavada do mundo, anunciou:


- Guilherme, são 3 e 20. Sua mãe vai ser madrinha de casamento às 4 com esse vestido que você está com ele...


Pai é pai. Dentro de um saco plástico estava outro vestido, para me trocar.


Dona Conceição tinha ido à Beth Cabeleireira, na Benjamin, bem em frente à casa da Leila Barbosa. Contou mais tarde que eram umas 2 e meia, estava naqueles secadores antigos, que cobriam até o pescoço. Começou a pensar na Bandida, o filho, os amigos, de repente deu um grito:


- Beth, pelo amor de Deus...!!! O Guilherme é capaz de pegar o meu vestido...!!!

Correu para o telefone, mas já era, já estava na Bandida. Ele trouxe de volta o vestido verde e rosa, e ela passou uma esponja úmida sob os braços e na região, digamos, mais íntima...


E foram para o casamento.


Segunda delas


Pai de filho único sofre, coitado.


Eu estava vindo para casa, a pé, quando vi aqui perto, no Bar Redentor, esquina da Espírito Santo com a Rio Branco, onde fica hoje aquela monstruosidade do prédio da Unimed, dois amigos tomando a saideira. Um deles era o Evandro Mansur, primo da queridíssima Vera Mansur. Parei, começamos a conversar e a rir. E ali fiquei.


Deixei minha parte e subi a Espírito Santo. Umas 2 da manhã.


Olhei aqui pra casa e vi tudo aceso, àquela hora...?!


Dona Conceição na janela, gritando lá pra baixo, na minha direção:


- Ele foi por ali, corre lá...!!


-Mas foi o quê?! O que houve?!


- Ele achou que você estava brigando, ouviu sua voz falando alto...


Olhei em direção à Catedral (a Catedral, isso há uns 40 anos, não tinha portões e grades), e o vi, quase descendo a escadaria principal, uns 100 metros daqui de casa. Nada a ver com a “origem” dos sons, que eram do Redentor, outro sentido.


Bem, queridas e queridos. Vocês não vão acreditar...


Ele estava de pijama, a calça caindo (herdei essa “característica”...), um abridor de garrafas no bolso... Mas não era um abridor de garrafas comum, mas um de ITU, uns dois palmos de tamanho...!


Era a “arma” com a qual investiria contra os agressores do seu filho...


Eita, Diógenes... Pausa pra me acalmar.


- Pai, o que está havendo, querido?!


- Você não estava brigando, meu filho...?!


- Claro que não, estava conversando ali no Redentor...


Voltamos abraçados pra casa e fomos dormir. Tudo devidamente explicado.


Terceira delas


Por conta de envolvimento no movimento estudantil, a gente sempre acabava se enrolando contra os ditadores e agressores de plantão.


Reuniões, passeatas, correr da PM, ocupar o Restaurante Universitário no prédio da Reitoria (fiquei no caixa, imaginem a confusão). Havíamos vencido as eleições para o Diretório Central dos Estudantes, que ficava na esquina da Floriano com a Getúlio, aquele prédio rosa que tem ali. Vencemos com o genial Carlos Alberto Pavam na presidência, e como vice a não menos maravilhosa Fátima Porfírio, hoje médica infectologista em São Paulo.


E ganhamos da direitosa, e isso era motivo de comemoração.


Ainda no movimento estudantil, fizemos um dia uma manifestação qualquer, muita gente, e a PM quis descer o cacete. Uma zoeira, acabamos nos “sitiando” no DCE, prédio federal, onde ninguém, teoricamente, poderia entrar.


Isso umas 5 da tarde. Éramos talvez uns 60 ali dentro, suados, cansados.


E alguns procurados pela Federal. Eu na lista. O Pavam havia sido preso, e o então, acho que era senador, Itamar Franco, tinha ido à rua Oswaldo Cruz, sede da PF, para protegê-lo.


Situação danada.


Muitos saíram do DCE. Mas mais tarde, ainda antes de cortarem o telefone, percebi que era o único de JF com liberdade de dizer aos pais o que estava acontecendo.


Reparem agora a “ação” do inenarrável Diógenes.


- Mas o que vocês estão precisando, meu filho?


- Pai, qualquer comida e água. Está todo mundo morrendo de fome.


- Então esperem aí, vou providenciar.


Daí a meia hora chega com umas dez embalagens enormes de coxinhas, quibes, rissoles... E uns dois ou três volumes de água.


Isso mais ou menos às 10 da noite.


Saciadas fome e sede, ficamos conversando perto de uma cerca de grades que ainda hoje está lá.


- Meu filho, vamos embora pra casa...


- Não dá, eles estão de olho. Aquele casal ali, da PF, com certeza. Aquele outro, encostado, não estava aqui, apareceu agora...


E relacionei os motivos pelos quais não poderia sair do DCE.


E ele, com o jeito mais sincero do mundo, soltou a grande pérola talvez de sua vida:


- Mas, meu filho, se o negócio é despistar, vou em casa e pego uma peruca da sua mãe...


Aí me virei e vi o Mário Simões, jornalistaço, hoje radicado em Brasília. Ou seja, ele tinha ouvido a “proposta” do pai...


Daí a segundos todo mundo estava sabendo da “genial” sugestão...


Esse era o Diógenes...


Agora posso chorar à vontade...

 
 
 

3 Comments


iliada
Jan 27, 2021

Prefiro este jeito, com letras maiúsculas e minúsculas, mas o coração escrevente de sempre. Parabéns.

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mariosimoesc
Jan 26, 2021

Guilhermão. Saudades docê e seu Diógenes. abração!

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dorio finetto
dorio finetto
Jan 25, 2021

Fiquei com saudade do seu Diógenes... Grande figura! A primeira eu conhecia - já é folclore em Juiz de Fora - e da terceira participei... Abraço grande

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